We the people

Luis Beltrán Guerra G.

Por: Luis Beltrán Guerra G. - 23/06/2024


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Para identificar a Constituição dos Estados Unidos, até agora uma das mais prestigiadas do mundo, basta escrever ou pronunciar o título deste ensaio. E para os mais inquietos, meditem no que o povo se propôs estabelecer a partir de 17 de setembro de 1787 e que ratificou em 21 de junho de 1788. Ou seja, uma União o mais perfeita possível, estabelecendo a Justiça, garantindo a tranquilidade interna, prover a defesa comum, promover o bem-estar geral e garantir os benefícios da Liberdade.” Nesta luta, uma das democracias mais sólidas do mundo mantém-se há quase 2 séculos e meio. E a pergunta que se coloca é: Será que ele conseguiu isso? A resposta é óbvia, e bastante!

Durante a nossa estadia na Harvard Law School tivemos a oportunidade, como candidato a um pouco mais que um doutoramento, de fazer amizade com Richard Parker, professor de direito constitucional e autor do livro “Here, the People Rule”: A Constitutional Populist Manifesto. Os outros dois professores de um aluno com mais de quarenta anos eram Roberto Unger, de ascendência alemã e brasileira, e Stephen Marlign, do departamento de economia. A antiga, mas sempre jovem Cambridge, o cenário.

As análises que foram feitas do livro de Parker apontam para a “democracia, suas aspirações, seus perigos, aspectos” aos quais a Carta Magna está fundamentalmente contratada. Para alguns, o “manifesto de Parker” leva a descrever como ortodoxa “a ideia de que o constitucionalismo e a democracia populista são opostos”. O académico sustenta, antes, que “a missão das leis constitucionais, incluindo, claro, a Carta Magna, é promover, e não limitar, a expressão da “energia política comum”. Portanto, expandir, em vez de limitar, o governo da maioria deve ser a máxima. As ideias apresentadas revelam que o professor de Harvard não se refere no seu livro ao “popularismo (Tendência ou gosto pelo que é popular nos modos de vida, arte, literatura, etc. Drae)”. As fontes revelam diversas avaliações sobre o populismo e a que mais nos atrai é aquela segundo a qual é “uma ameaça à democracia”. Certamente não é ao “popularismo” que o professor de Harvard se refere. Pelo contrário, à “dimensão participativa na democracia” e tanto na integração dos poderes públicos, como numa participação decisiva do povo nos direitos e deveres que como sistema político supõe, mas também exige. A valorização do constitucionalista não tem relação com os debates entre populismo e democracia, para o pesquisador uruguaio Pablo Castaño, cada vez mais frequentes na literatura.

Parker destaca “a energia política das pessoas comuns”, apontando que ela deve ser levada em conta, tanto na elaboração como na implementação da Constituição. A proposta constitucional será mais séria na medida da sua amplitude em relação à participação do povo. E essa é a diretriz que dará mais força quanto à observação de seus preceitos. Lê-se que ele aborda essa sensibilidade de forma inédita, por meio de uma obra de ficção sobre política, Mario and the Magician, de Thomas Mann. E evoca as nossas atitudes mais profundas e problemáticas em relação à energia política popular na nossa própria democracia. A análise conclui que o livro “Aqui o povo governa” propõe a necessidade de uma reimaginação do potencial populista do direito constitucional. Irá desorientar – e depois reorientar – o pensamento de todos os que se preocupam com a democracia e a Constituição. Semeará uma revolução intelectual baseada na experiência e na sensibilidade dos cidadãos. Oligarcas, plutocratas, sofistas e praticantes da nobreza obrigam-nos a ter cuidado: os seus processos de controlo são expostos por uma mente profundamente iluminadora. É assim que está escrito e nós copiamos.

Permita-nos, leitor, relembrar um de nossos antigos ensaios, O Defensor de Biden?, no qual notamos que “Paul Krugman alerta para “avaliações econômicas negativas” em relação a Biden, na opinião do resultado acadêmico do “partidarismo extremo alimentado pela “mídia de direita”. Ele (Krugman) refere-se ao “elefante”, capaz até de afirmar que a economia hoje está pior que a de 1980, com o dobro do desemprego e a inflação em 14%. Além disso, existe uma tendência que visa “condenar todas as ideias marxistas progressistas”. Perguntaríamos ao professor Parker se este erro, somado a alguns outros, por ocasião daquele tipo de guerra fratricida em que a campanha eleitoral se tornou na democracia mais desenvolvida do mundo, revela um abuso, se não para dizer , falta de conhecimento, à máxima “Aqui quem manda é o povo”. E como devemos interpretar a avaliação do professor da Universidade de Hamburgo, Peter Sloterdijk, para quem, como afirma em “Political Epidemics” que “o populismo é a atual fase de mal-estar na cultura”. E, conseqüentemente, deve-se evitar que “o cinismo de cima encontre o de baixo”.

Quanto à palavra populismo, claro, não no sentido em que o nosso professor de Harvard a utiliza, como venezuelanos não nos sentiríamos bem se não copiassemos algumas das considerações do académico David da Silva Pereira em relação a Caracas: 1 . A revisão de alguns elementos do itinerário histórico contemporâneo para identificar as características dos movimentos populistas em cada realidade, 2. Revelar as razões que os tornam possíveis e 3. Em que medida é uma história local em termos de lógica e interesses externos. A ideia é que esses fatores nos levem a compreender que somente o contexto é capaz de iluminar o fenômeno identificado como populismo. A investigação de David da Silva Pereira, no seu intróito, não deixa de preocupar: “A Venezuela vive no meio do que a priori poderíamos chamar de uma crise sociopolítica e institucional, com certas características próprias. No cenário externo, discute-se muito sobre a necessidade de mediação ou mesmo intervenção de forças externas. A nível interno, a sucessão do Presidente H. Chávez por N. Maduro assumiu novas formas e papéis. A economia, mais uma vez, enfraquece um dos governos latino-americanos mais prósperos do século XX, em meio a uma forte queda no preço do barril de petróleo. Ainda é importante nas proximidades de um processo eleitoral presidencial que terá lugar em Julho próximo.

Convencido de que o livro de Parker não sugere nem remotamente que ele esteja se referindo ao populismo. E que a sua apreciação deve ser entendida antes como o imperativo de que uma das razões para a existência da Carta Magna é promover, e não limitar, a expressão da “energia política comum”. Consideramos necessário fornecer ao leitor algumas considerações de Jorge Bergoglio, não de todo imprudente: “Em Papa ele lamenta “o avanço do liberalismo, que procura explicar e orientar toda a realidade”, mas também rejeita leituras da realidade que “utilizam como uma diretriz interpretativa." a dos anos setenta", que "vem de Paris de 68 ou de uma certa teologia alemã extrapolada". Diz que “popular” é “quem consegue interpretar os sentimentos de um povo” que “pode ser a base para um projeto transformador e duradouro”, e que isso é muitas vezes chamado de “populismo” para desqualificá-lo. Embora seja verdade que existe “um sentido negativo quando expressa a capacidade de alguém instrumentalizar” o povo, ultimamente o adjetivo tornou-se “um 'burro de carga' de projetos ultraliberais ao serviço de grandes interesses”, para desqualificar “quem tenta defender os direitos dos mais fracos".

Um encontro entre o professor Parker e Mario Bergoglio nos esclareceria muitas coisas, nos capacitando neste mundo turbulento.

A sugestão poderia ser concluir repetindo a frase “Nós, o povo”, para continuar pensando em como nos entendemos. E de repente acompanhado do Antigo e do Novo Testamento.

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@LuisBGuerra


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