Por: Beatrice E. Rangel - 28/10/2024
Cresci num ambiente intelectual em que o slogan Yankees Go Home era frequentemente repetido. Na Universidade, os cartazes com este slogan foram mais abundantes do que aqueles que descreviam o motivo do protesto. Devo, no entanto, registar que na América Latina não estávamos a inovar. O slogan nasceu na Alemanha Oriental em 1950, numa manifestação estudantil contra o Plano Marshall. E todos nós sabemos o final dessa história. A Europa reconstruiu as suas infra-estruturas de comunicações e produção, superou a pobreza e conseguiu aproximar-se economicamente dos Estados Unidos em termos de PIB, que representa hoje 19.350 mil milhões de dólares.
Entretanto, nas margens ocidentais do Atlântico, os establishments estudantis, intelectuais e políticos adoptaram este slogan que apenas serviu para impedir qualquer possibilidade de progresso no continente americano. Porque criou um divisor de águas cultural que rejeita a priori tudo o que emana dos Estados Unidos, tornando extremamente difícil alcançar o desenvolvimento. Prova disso foi a rejeição da América Latina ao segundo pilar do projeto Iniciativa das Américas lançado pelo presidente George Bush pai. O projecto cujo único objectivo era tirar a América Latina do ciclo maligno de expansão e recessão com acumulações incontroláveis de dívida foi destruído pelos países da América Latina ao rejeitarem a criação de uma zona de comércio livre de proporções regionais cujo potencial de desenvolvimento roçava os 20.000 milhões de euros. para este ano. Por outras palavras, se a zona de comércio livre das Américas tivesse sido criada, o produto regional da América Latina seria hoje de 20.000 milhões, em vez dos 5.860 que reporta hoje. Isto significaria uma redução da pobreza para metade do que é hoje e uma capacidade de financiamento para a educação e os serviços de saúde 30 vezes maior do que é hoje. Dada uma recepção tão calorosa. É claro que os Yankees decidiram abster-se de apresentar outras propostas de desenvolvimento para a região e dedicar-se aos seus crescentes problemas internos.
Nestas primeiras décadas do século XXI, a nossa região carece de opções firmes de desenvolvimento que não estejam ligadas à consolidação da economia digital nos Estados Unidos. Porque embora seja verdade que o crescimento da classe média nos países asiáticos (principalmente China, Índia e Hong Kong; Singapura; Taiwan e Coreia do Sul) tem um impacto positivo na procura de produtos alimentares nesses países, é também que hoje a América Latina tem concorrência neste domínio A região perdeu hoje as vantagens de ser o principal e melhor fornecedor. As nações africanas investiram na modernização da sua agricultura e no desenvolvimento de espécies ecologicamente saudáveis. Assim aquele continente surge como concorrente da região em termos de exportações agrícolas. Em segundo lugar, os africanos e os asiáticos têm dado maior importância às infra-estruturas económicas e comerciais do que os latino-americanos. No Brasil, apenas seis de seus portos se qualificam como portos de ponta em termos de tecnologia e sistemas de gestão. Com 7.100 milhas de extensão, o litoral do Brasil poderia ser um melhor canal para as exportações se investisse em melhorias tecnológicas em pelo menos 16 dos seus 23 portos. Em termos de rotas de comunicação, apenas o México e a Venezuela pré-Chávez conseguiram cobrir as necessidades de transporte das suas economias. Argentina. Brasil, Colômbia, Peru e Paraguai carecem de infraestrutura rodoviária moderna.
Dadas estas deficiências, muitos países da região – incluindo o México, apesar de AMLO – vêem os Estados Unidos como uma fonte segura de investimento. Mas, como consequência de antigas atitudes antiamericanas, acredito que as nações da América Latina estão prestes a ter uma surpresa. Os americanos decidiram voltar para casa. Agora preferem investir no seu próprio país ou em países asiáticos onde os retornos são muito superiores aos da América Latina. E na medida em que o sentimento popular interno continua a preferir o isolacionismo, na mesma medida as empresas americanas preferirão fazer investimentos que tenham impacto directo no aprofundamento da economia digital. No campo da política, o processo de regresso a casa é mais do que evidente. A última Cúpula das Américas foi verdadeiramente constrangedora pelo comportamento de muitas nações latino-americanas e que decretou a morte dessa iniciativa. Já durante a gestão Trump, a reunião foi realizada sem a presença do presidente dos Estados Unidos. Hoje, os melhores recursos diplomáticos estão implantados na Europa Oriental ou na Ásia. A atenção dos Estados Unidos para com África também aumentou na última década como resultado do lobby dos afro-americanos. Em matéria de defesa e protecção da democracia, a retirada dos Estados Unidos é evidente. Na Venezuela existe uma autocracia criminosa que está sendo copiada pela Nicarágua e acompanhada pela Bolívia sem que as nações latino-americanas tenham a menor iniciativa para enfrentar o flagelo. A OEA marcha ombro a ombro e o crime organizado já domina o Haiti. Em resumo, a retirada dos Estados Unidos está a ter um impacto negativo no desenvolvimento e na estabilidade política na América Latina. O que nos lembra o famoso provérbio chinês “Tema o que você deseja porque pode se tornar realidade”.
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