Parlamentarismo ao estilo peruano ou o legado de Fujimori

Beatrice E. Rangel

Por: Beatrice E. Rangel - 18/09/2024


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A morte de Alberto Fujimori nos remete à América Latina da década de 1980, quando ocorreram dois fenômenos continentais. As nações da região não pagaram a sua dívida externa enquanto as ditaduras ficaram presas no beco sem saída da ausência de liberdade e desenvolvimento. O cenário era o de alcançar a liberdade numa crise económica de proporções continentais.

Neste contexto, a entrada de Alberto Fujimori na política peruana não poderia ter sido mais espetacular. Venceu as eleições no segundo turno, derrotando o favorito da mídia, dos intelectuais e do povo latino-americano: Mario Vargas Llosa.

O até então desconhecido professor de uma pequena e irrelevante universidade iniciou a sua presidência assumindo como prioridade fundamental a derrota dos grupos violentos da esquerda radical peruana que seguiam o modelo de Guba ou da China. E essa prioridade foi alcançada quando Abimael Guzmán, chefe do Sendero Luminoso, o mais violento dos grupos guerrilheiros, foi para a prisão. Também estabilizou a economia, relançando o crescimento do Peru, que atingiu 12%.

Mas como toda repressão gera autoritarismo e estas colisões criminosas, a estratégia de Fujimori, embora tenha alcançado o objetivo de derrotar a violência, pisoteou os direitos humanos ao melhor estilo Genghis Khan. Decidido então a monopolizar o poder, dissolver o congresso e proclamar-se ditador, Fujimori iniciou a sua participação no desporto preferido de mais de um chefe de estado latino-americano: a corrupção. A resposta das elites nacionais e da comunidade hemisférica foi imediata. Fujimori foi afastado da presidência e diante da forte possibilidade de acabar na prisão, decidiu ir para o Japão, terra de seus antepassados, onde viveu com o benefício da dupla cidadania até 2005, quando se mudou para o Chile com o objetivo de à participação nas eleições peruanas de 2006. A pedido das autoridades peruanas, foi preso, extraditado para o Peru e julgado por crimes contra a humanidade e corrupção. Em 2009, ele estava na prisão cumprindo pena de 25 anos.

A experiência de Fujimori levou as elites peruanas a forjar um modelo de estabilização democrática até então sem precedentes no continente. Trata-se de alcançar a governabilidade através de meios parlamentares. E embora a constituição ainda não tenha sido modificada para estabelecer um sistema parlamentar de jure, no Peru o poder é exercido pelo congresso. Este esquema distancia-se do resto da região onde ainda sobrevivem instituições feudais com culturas caudilhas que conferem imenso poder ao executivo. O Peru, pelo contrário, conseguiu algemar o executivo a tal ponto que os últimos trinta anos foram um teatro de processos e prisões de todos os presidentes, com os primeiros-ministros a terminarem os seus mandatos.

Embora o modelo peruano tenha a virtude de ter mantido o funcionamento democrático sem criar choques nacionais ou internacionais, a ausência de codificação deste parlamentarismo institucionalizado abriu inúmeros canais para a corrupção e o estatismo. Mas, acima de tudo, eliminou os canais para a formulação de políticas económicas de longo prazo. Como é sabido, a comunidade empresarial latino-americana é uma extractora de rendas e pouco inclinada a criar riqueza. Para alcançar o desenvolvimento é necessário trocar a lente. E tal como os empresários mexicanos, confrontados com um acordo de livre comércio com os Estados Unidos, decidiram aproveitar este canal para se internacionalizarem, os peruanos devem fazer o mesmo. Mas para isso é necessário formular políticas económicas públicas que criem incentivos para uma mudança de visão. Sem um poder executivo estável, este objectivo é difícil de alcançar.

A ausência deste posto de comando económico explica o fraco desempenho da economia peruana nos últimos tempos. Talvez a morte de Fujimori faça com que as elites peruanas reflitam sobre esta deficiência e suspendam o antídoto fujimorista que as levou a desmantelar o poder executivo sem regular o modus operandi parlamentar que prevalece de facto.


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