Laudato si

Beatrice E. Rangel

Por: Beatrice E. Rangel - 22/04/2025


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Louvado sejas, meu Senhor! Com estas palavras do belo hino ao Irmão Sol de São Francisco de Assis começa a encíclica que o Papa Francisco nos deixou como legado.

Laudato Si é talvez a reflexão mais profunda já feita por qualquer protagonista da nossa história universal sobre a relação entre a natureza e o homem. Porque pela primeira vez, essa relação se define como um anel de identidades que se complementam e se enriquecem, mas que também correm o risco de degenerar em um plasma destrutivo quando os anéis se separam. A encíclica dá continuidade à filosofia franciscana que afirma que a vida é una, com manifestações diversas e ricas que se expressam na flora, na fauna e no homem. E sendo parte desse anel vital, as ações do homem podem ser enriquecedoras ou destrutivas. E em ambos os casos, o homem deve escolher entre enriquecer sua própria natureza cuidando de sua irmã Terra ou degradar-se até a aniquilação, quebrando o vínculo entre sua existência e a da Terra. Na linguagem de São Francisco, “Louvado sejas, meu Senhor, pela nossa irmã, a Mãe Terra, que nos sustenta e governa, e que produz vários frutos com flores e ervas coloridas”.

Esta descrição da relação do homem com a natureza é diametralmente oposta àquela que predomina em todos os tratados de proteção ambiental. Porque a maioria desses tratados se baseia na ideia errônea de que o meio ambiente é um bem humano que deve ser tratado como todos os outros bens. Mas a visão franciscana sustenta que, como o homem é parte da natureza, não há espaço para posse, mas sim para enriquecimento mútuo. Portanto, o tratamento deve ser o mesmo que o homem dá a si mesmo. E nisto se fecha o círculo cristão porque o dilema se coloca dentro do mandamento de Jesus; “Faça aos outros o que gostaria que fizessem a você.”

Colocar o dilema ambiental dentro dessas dimensões torna mais fácil protegê-lo. Porque ao considerá-lo parte do ser humano, sua proteção é semelhante àquela que concedemos às crianças e, portanto, torna-se um comportamento natural que define o ser humano e que não requer regulamentos e normas porque é seu comportamento natural. Somente através desta interpretação da relação entre o homem e a terra é possível evitar conflitos entre os homens e as nações; desastres naturais e esgotamento da nossa essência humana. Nas palavras do Papa Francisco: “A irmã Terra agora clama a nós pelo mal que lhe causamos com o uso e abuso irresponsáveis ​​dos bens com os quais Deus a dotou. Viemos a nos considerar seus senhores e mestres, com o direito de saqueá-la à vontade. A violência presente em nossos corações, feridos pelo pecado, também se reflete nos sintomas de doença evidentes na terra, na água, no ar e em todas as formas de vida. Portanto, a própria Terra, sobrecarregada e devastada, encontra-se entre os mais abandonados e maltratados entre os nossos pobres.”

Soluções para o cuidado ambiental devem ser humanas, não meramente tecnológicas, como parecemos insistir em aplicar. Uma mudança na humanidade é necessária para que cada indivíduo veja seus semelhantes, a flora e a fauna como elos de uma cadeia chamada criação, que, quando um de seus elos é perdido, se autodestrói. Procurar respostas na tecnologia só serve para tratar os sintomas. Devemos pensar como São Francisco, transformando o consumo em sacrifício, a ganância em generosidade, o desperdício em espírito de partilha. É a libertação do medo, da ganância e da coerção que nos torna humanos. E Francisco nos exorta, como cristãos, a "acolher o mundo como um sacramento de comunhão, como uma forma de partilha com Deus e com o próximo em escala global. Na convicção de que o divino e o humano se encontram no menor detalhe da veste inconsútil da criação de Deus, no último grão de poeira do nosso planeta".

Essas foram as ideias que inspiraram o papado de Francisco e pelas quais luto diariamente. Essas ideias hoje inspiram muitos jovens que lamentam sua morte, despedindo-se com uma Laudato Si!!!


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