Por: Ricardo Israel - 23/03/2025
Não creio, então vou quebrar uma regra de conduta que impus a mim mesmo ao longo de muitos anos na mídia, no sentido de que sempre acreditei que, em condições de guerra, um judeu que não vive em Israel não deve expressar uma opinião a favor ou contra uma autoridade governante. Mas agora considero impossível não fazê-lo, sobretudo porque Israel só tem a si mesmo para culpar, já que mais uma vez uma vitória militar não serve para nada, devido à ausência de um plano político oportuno. Essa é sua grande falha, e parece que hoje estamos testemunhando outro capítulo dessa tragédia que assola o Estado de Israel desde a independência do Império Britânico em 1948. Ele venceu todas as guerras, mas perdeu a paz — não no sentido de sua legitimidade ou de tratados com países vizinhos, mas sim no sentido de um acordo regional.
E hoje há muitas dúvidas sobre se Netanyahu entende o momento atual e se ele ainda é a pessoa certa para liderar o estado, ou se prevalece o enorme conflito de interesses que confunde as necessidades atuais do país com sua conveniência pessoal. Ninguém duvida de seu patriotismo ou resiliência, e que ele ocupou o cargo mais alto do país por mais tempo. Ninguém duvida que as últimas quatro eleições foram verdadeiros referendos sobre ele, e que ele venceu três delas, no sistema eleitoral altamente disfuncional do país.
Também não há dúvidas sobre seu comprometimento em liderar uma guerra travada em sete frentes, com o Irã atuando como marionetista por trás de todas elas. Com isso, Israel diz corretamente que a realidade da região mudou completamente depois do 7-X, mas onde estava o plano político que reflete isso hoje? Há pelo menos duas mudanças fundamentais: primeiro, que o que começou como apenas mais uma guerra com os palestinos evoluiu para uma Jihad, não apenas contra Israel, pois sua própria legitimidade está sendo questionada, mas também contra a própria ideia do Ocidente e seus valores, e onde o novo governo dos EUA entendeu melhor o que está acontecendo do que o anterior, de Joe Biden, e, a propósito, do que os europeus que parecem não aceitar que podem ser os próximos, começando pela Espanha (ainda é Al Andalus para o fundamentalismo), se Israel for derrotado. A segunda diferença é que uma aliança de fato se desenvolveu entre Israel e os países árabes sunitas do Oriente Médio, a partir de um medo mútuo da bomba atômica do Irã, tanto que as relações existentes sobreviveram bem à guerra, tão bem que Israel recebeu apoio nas duas vezes em que foi atacado pelo Irã, e em nenhum dos países as relações se deterioraram, nem nenhuma de suas universidades testemunhou o antissemitismo que foi vivenciado nas universidades de elite dos EUA, nem nenhuma cidade árabe experimentou a agressão de rua contra os judeus que foi desencadeada em Nova York, Londres ou Paris. Outra indicação foi que, além da retórica usual, nenhum país árabe (ou muçulmano) queria aceitar refugiados de Gaza.
Entretanto, na ausência de um plano político, resta a Israel apenas a guerra permanente para atingir seus objetivos, já que, até agora, Netanyahu falhou em duas áreas principais: a destruição do Hamas e a recuperação de todos os reféns, vivos ou mortos. Na ausência de tal plano, outros surgem para preencher o vazio. Não é apenas a fantasia do Irã de que Israel está sendo "destruído", mas pelo menos duas outras propostas têm estado no centro das conversas e posições: a proposta de Trump para Gaza e a proposta do Egito, apoiada pela Liga Árabe.
E quanto a Israel? Nada se vê ou se sabe, exceto o que foi declarado no início da guerra, sobre a destruição do Hamas e que a pressão militar recuperaria os reféns. E Israel venceu na parte militar, num desempenho que, na minha opinião, em sete frentes diferentes, supera o que fez em 1967, durante a lendária Guerra dos Seis Dias.
Pessoalmente, acredito que a resposta às dúvidas e perguntas sobre a situação atual tem apenas uma resposta: a reaproximação sem remorso de Israel com os países árabes sunitas, que entendem melhor do que o Ocidente, especialmente a Europa, o que está em jogo. No que parece ser uma imagem espelhada de triunfos militares, como em outras épocas, Israel foi derrotado na narrativa, já que por enquanto são os terroristas que dominam a história, sobretudo pelo inexplicável apoio que encontram na grande imprensa ocidental com informações repetidamente desmentidas pela verdade, bem como em organizações internacionais tão tendenciosas como o Tribunal Penal Internacional, e no fato de que nenhum país árabe utilizou a retórica antissemita de governantes com tanta ignorância da região e da história quanto as expressões desqualificadoras dos Maduros, Petro e Boric da América Latina, nem repetiram a judeofobia dos governantes da Espanha ou da Irlanda, do Secretário-Geral da ONU e do ex-vice-presidente da Comissão Europeia Josep Borrell e daqueles que o precederam no cargo.
Hoje, nem parece claro o que vem primeiro: se resolver a questão ainda pendente do Hamas em Gaza ou se enfrentar agora, primeiro ou pelo menos em paralelo, a questão do programa nuclear do Irã, a única ameaça real à sobrevivência do estado hoje, devido à sua destruição tão repetidamente declarada pelos aiatolás. De qualquer forma, as vitórias em 7 frentes, a destruição sistemática do Hezbollah e do Hamas como possibilidade de repetir o 7-X, somam-se ao sucesso que Israel teve nos confrontos diretos com Teerã, reduzindo o que era uma ameaça a uma debilidade total do seu sistema de defesa aérea, ao que se soma o fato de que hoje recebe um apoio da Casa Branca que supera os problemas que teve com a administração anterior, mas nada garante que como superpotência Washington não mude de ideia.
A questão da bomba iraniana é apenas uma questão de tempo, pois uma vez que o conhecimento entra em uma sociedade, ele não pode mais ser erradicado, faltando os elementos tecnológicos para colocar energia nuclear em um míssil e, embora haja maior clareza em Israel, para uma parte significativa dos EUA é difícil entender que a República Islâmica tenha sido um estado revolucionário desde 1979 com a missão religiosa de destruir o "Grande Satã" (os EUA) e também o "Pequeno Satã" (Israel), juntamente com a exportação de seus ideais xiitas para o mundo inteiro.
Além disso, é um cenário fluido, onde ninguém sabe ao certo se os jihadistas que tomaram o poder na Síria não provocarão novamente uma guerra civil, com o fato de que a Turquia é hoje a potência dominante ali, substituindo o Irã, então há a possibilidade de que decida exterminar os curdos, entrando também em conflito e confronto direto com Israel, pela proteção que anunciou para eles e, sobretudo, pela defesa militar do enclave druso na Síria como uma dívida de honra para com a minoria drusa e sua destacada atuação, assim como a dos beduínos, na defesa do país.
De qualquer forma, a verdade é uma só, se não fosse por Israel, é possível que Bashar al-Assad ainda estivesse na Síria, já que a razão pela qual o Irã não pôde intervir, nem o Hezbollah para ajudá-lo, foi por causa dos golpes muito fortes que Israel desferiu a ambos nessa guerra, e talvez o que Israel tenha mais claro é que não quer um novo Líbano naquela fronteira.
Além de não ter nenhum plano para o dia seguinte ao Hamas, Netanyahu está preocupado com sua sobrevivência política diante das acusações de corrupção eleitoral contra ele, onde a Suprema Corte não condenou nem absolveu, e onde o país parece muito dividido sobre o assunto. Nesse contexto, não há dúvidas de que, enquanto puder, ele está tentando impedir a formação de algo tão inevitável quanto uma Comissão do mais alto nível para investigar o terrível fracasso da invasão e a maior morte de judeus desde o Holocausto, não apenas daqueles como Netanyahu que exerceram o poder principal naquele dia, mas também, esperançosamente, atingindo aqueles que falharam talvez no mesmo nível ou até maior, como as autoridades das forças armadas que demoraram tanto para reprimir a invasão e salvar as vidas de muitas pessoas inocentes que foram assassinadas. Também, de agências de segurança e inteligência nacionais como o Shin Bet, conhecido como Shabak, que não foi capaz de alertar sobre o que estava por vir, ao que devemos acrescentar. embora talvez com menos responsabilidade que o Mossad, cobrindo o exterior de Israel. Estamos falando de uma elite estatal, três ou quatro instituições com algum grau de culpabilidade no enorme número de reféns que foram sequestrados, uma falha tão grande quanto inesperada, onde não só a dissuasão de Israel foi seriamente afetada, mas também um fundamento básico foi quebrado, o de que o Estado sempre defenderia todos os seus habitantes, pois não podemos esquecer que os sequestradores não discriminaram ao levar judeus, minorias israelenses e cidadãos de outros países, incluindo trabalhadores de kibutz.
Além disso, o que confunde qualquer decisão sobre o curso da guerra é que há questões para as quais Netanyahu aparentemente não tem respostas, o que é muito sério dada a situação atual.
A primeira é como pode haver paz com o Hamas ainda ativo, se não como uma ameaça militar, então como o governo de Gaza? Esta é uma questão válida, uma vez que o acordo alcançado para o retorno dos reféns, embora talvez essencial para garantir o retorno de alguns, na prática lhes deu sobrevivência, e com esta encenação ao estilo de Hollywood, tolerada por várias semanas pelo governo israelense, o Hamas deu uma imagem de poder e validade.
A segunda é se Israel está preparado para um cenário provável, embora não necessariamente um que se materialize, de que Donald Trump dê uma guinada inesperada, acabando com o apoio automático a Jerusalém e pressionando ou impondo uma negociação para a criação do Estado Palestino com a Autoridade Palestina como interlocutora, no que lhe parece importante, que é retomar o ponto onde os Pactos Abraâmicos pararam em seu governo anterior, e basta lembrar que seu interesse era continuar com o Estado Palestino, oferecendo 50 bilhões de dólares como contribuição econômica, para que os palestinos se interessassem, e como aconteceu repetidas vezes, nas mediações dos EUA, eles simplesmente não se motivaram, rejeitando mais uma vez a possibilidade de negociar a criação do Estado.
A alternativa, é claro, seria Trump alcançar outro sucesso com os Acordos de Abraão, envolvendo a Arábia Saudita no futuro de Gaza e convencendo o resto dos países árabes sunitas a fazê-lo, ao mesmo tempo em que cumpria a resolução original da ONU, que afirmava que a partição seria entre um estado árabe e um estado judeu, já que na época a Jordânia era chamada de estado palestino. Em qualquer caso, por causa da liderança saudita no mundo muçulmano e por causa do conflito secular entre sunitas e xiitas, a Arábia Saudita disse que espera que os EUA pressionem, até mesmo forcem, Israel a criar um estado palestino, sem o qual não estaria disposto a estabelecer relações diplomáticas plenas com o estado judeu.
A questão é quem seria o parceiro palestino para a paz, já que Israel não consegue encontrar tal parceiro desde 1948, ao contrário das nações árabes sunitas com as quais tem tratados de paz, como Egito, Jordânia e Emirados.
A terceira pergunta é: quem está no comando de Gaza e pode fazê-lo sem ser atacado? Em outras palavras, se isso puder ser feito sem primeiro cortar a cabeça da cobra — isto é, o programa nuclear dos aiatolás — e sem a subversão patrocinada por Teerã, por meio de todos os meios que ele usa para atacar Israel e os países árabes com os quais a paz é mantida.
Quarto, como o acima seria um pré-requisito, mesmo a atual ofensiva contra Gaza exigiria a eliminação prévia ou paralela da ameaça que o Irã representa para toda a região há tantos anos. Em outras palavras, em quarto lugar, a questão é: como podemos impor limites ao Irã? Acredito que a resposta seja um ultimato que deveria ser feito em conjunto pelos países árabes sunitas, Israel e EUA (e eu não ficaria surpreso se até mesmo um país não árabe como a Turquia de Erdogan quisesse se juntar), dado o perigo para todos da bomba atômica iraniana, e neste caso acabar com o programa atômico dos aiatolás não seria muito diferente do que foi feito nos anos 90 com os programas atômicos e bombas na Ucrânia e Belarus, pelos EUA e Reino Unido.
Quinto, Israel estaria disposto a encerrar a fase militar e anunciar um futuro sem o Hamas, com a presença decisiva dos países árabes sunitas encarregados de apoiar uma nova administração de uma Autoridade Palestina, mas sem Abu Mazen, com um governo dialogante, um parceiro na paz, que acredita que uma solução de dois Estados é possível, apenas um lado a lado e não um em vez do outro como o Irã e o Hamas pretendiam, sem a participação europeia ou da agência da ONU UNRWA em apoio aos terroristas, com uma presença militar israelense dentro da Faixa, mas sem seu envolvimento em seu governo.
A situação atual exige um retorno à clareza que prevalecia no início da guerra, mas neste novo contexto, Israel agora está cheio de luz e sombra. Também contribui para as dúvidas, por exemplo, o fato de Washington ter encarregado Moscou de transmitir a possibilidade de uma solução não militar a Teerã, e que o aiatolá Ali Khamenei a descartou antes mesmo de passar um dia em suas mãos. Este também é o caso da confusão criada quando o sequestrador da Casa Branca expressou satisfação com a ideia de que o Hamas poderia aceitar uma solução ao estilo libanês, a do Hezbollah, na qual poderia manter o poder sem ser o governo — ou seja, a pior solução do mundo, garantindo-lhe a liberdade de cometer terrorismo sem a responsabilidade de administrar.
Há muitas outras questões para as quais não há uma resposta clara hoje, apesar do sucesso militar e dos 17 meses de guerra.
Netanyahu conseguirá alcançar a paz? Sem dúvida, e os ataques que recebe diariamente em Israel não interferem, inclusive os dos familiares dos reféns que o culpam pelo fato de seus queridos parentes não terem sido libertados, o que, diga-se de passagem, é injusto, assim como o fato de metade de Israel rejeitá-lo enquanto a outra metade o ama, enfim, isso não será um impedimento, se considerarmos o que é uma característica da região e muito presente em seus inimigos e adversários, respeitar a disposição de usar a força por aqueles que conseguem usá-la. Sem dúvida, pelo menos ele poderia progredir, mas isso significa que, mais cedo ou mais tarde, e espero que mais cedo do que tarde, ele estará disposto a se afastar para formar a grande Comissão Investigativa que precisa ser convocada para revisar o quanto foi feito de errado em 7 de outubro.
E na democracia israelense, isso significa convocar o eleitorado após o Relatório, com a possibilidade duvidosa de que o voto resolva a questão. É duvidoso, porque o sistema eleitoral é completamente disfuncional e prioriza a representação de todos os eleitores em detrimento da formação de maiorias estáveis, então talvez surja um empate que não resolverá a questão de quem venceu. Além disso, dado o que as pesquisas mostram, Netanyahu tem grandes chances de vencer, já que vitória ou derrota não são medidas por votos a favor ou contra, mas por quem obtém mais apoio no parlamento, o que é resolvido após muita negociação por maiorias de apenas alguns votos.
Hoje, Israel parece profundamente dividido sobre parar ou não a guerra e recuperar todos os reféns, resultado das críticas de grupos familiares de Netanyahu. É o dia 7 de outubro que ainda divide Israel, outra consequência da falta de um projeto político pós-Hamas, só que desta vez a culpa também recai sobre o governo.
Outra expressão da divisão de Israel é o anúncio de Netanyahu de que demitirá o chefe do Shin Bet, o que deve ser resultado de uma investigação independente, reafirmando que chegou a hora da Comissão, bem como que Israel demonstrou a necessidade de um novo sistema eleitoral que resolva a questão de quem está no governo em vez de criar laços, bem como uma Constituição escrita que estabeleça claramente as soluções que a prolongada situação de Netanyahu não conseguiu resolver, ou seja, que normas legais escritas são necessárias em vez de polarização. Em suma, como disse Einstein, “Não podemos resolver os problemas da mesma forma que os criamos”.
@israelzipper
Mestre e doutor em Ciência Política (Universidade de Essex), Bacharel em Direito (Universidade de Barcelona), Advogado (Universidade do Chile), candidato presidencial (Chile, 2013)
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