Crise no Peru, prova de presidencialismo obsoleto na América Latina

Carlos Sánchez Berzaín

Por: Carlos Sánchez Berzaín - 11/12/2022


Compartilhar:    Share in whatsapp

Quando o presidente do Peru, Pedro Castillo, determinou "dissolver o Congresso, criar um governo de emergência nacional, convocar eleições parlamentares com poder constituinte, governar por decreto-lei, toque de recolher e reorganização do sistema judicial", ele se autoproclamava ditador ao arrogar todos os o poder do Estado, situação que levou à sua destituição, detenção, processo e sucessão por sua vice-presidente Dina Boluarte. Seis presidentes em quatro anos mostram a crise de governança no Peru e provam que o presidencialismo como sistema está obsoleto na América Latina.

Em 7 de dezembro de 2022, o presidente constitucional do Peru se proclamou ditador horas antes de uma sessão do Congresso cuja pauta era considerar sua vacância. A resposta das instituições peruanas é uma demonstração da força da democracia. O Congresso exonerou o presidente que violou de forma pública e flagrante o artigo 45 da Constituição Política, que dispõe: “O poder do Estado emana do povo, quem o exerce o faz com as limitações e responsabilidades que a Constituição e as leis estabelecem. Nenhuma pessoa, organização, Forças Armadas, Polícia Nacional ou sector da população pode assumir o exercício desse poder. Fazer isso constitui rebelião ou sedição”.

Os argumentos de Pedro Castillo em seu discurso de 9,57 minutos com o qual quebrou a democracia são que "a desacreditada maioria parlamentar" não lhe permitiu governar para o bem do povo, que a "imprensa mercenária, corrupta e cínica" o assedia falsamente, que " O Congresso destruiu o Estado de Direito” e instalou uma “ditadura congressual com a atual Corte Constitucional”, para a qual decidiu “estabelecer um governo de exceção”.

Castillo se tornou presidente obtendo 18,92% dos votos no primeiro turno com uma participação de 70,05% dos eleitores, isto é um líquido de 13,25% dos eleitores registrados em um grupo de 20 candidatos presidenciais. No segundo turno, obteve 50,13%, mas como os parlamentares são eleitos na primeira votação, ele teve apenas 37 cadeiras no Congresso, ou seja, 28,46% dos votos parlamentares. Um presidente com a primeira minoria de votos, 13,25% a nível nacional, perante um Congresso formado por parlamentares de 9 frentes políticas que obtiveram representação.

A proliferação de partidos, frentes e organizações políticas que podem participar das eleições trouxe consigo na América Latina a destruição da base do presidencialismo no qual a legitimidade do presidente reside no voto popular direto, mas baseado na separação e a independência dos poderes não pode governar sem coordenação com o Poder Legislativo e sob o controle do Poder Judiciário. Com 20 candidatos no primeiro turno e um vencedor com menos de 14% de apoio, como no caso das eleições de 2021 no Peru, é impossível esperar que o presidente tenha governança porque o segundo turno é apenas um segundo turno forçado.

O caso do Peru se repete em quase toda a América Latina e é pretexto para a proliferação de ditaduras. Alguns casos, como nas eleições no Equador, em que o atual presidente Laso obteve 27,91% no primeiro turno, nas eleições no Chile, o atual presidente Boric obteve 25,83% dos votos no primeiro turno, nas eleições na Colômbia hoje O presidente Petro obteve 40,34% dos votos com uma participação de 54,98% dos eleitores registrados. E em outros casos, como Nicarágua 2006, eles elegeram Daniel Ortega no primeiro turno com 38% dos votos porque haviam reduzido a porcentagem de votos necessários para vencer o primeiro turno para 35%.

O presidencialismo na América Latina está levando à presidência dos países o candidato que obtiver a primeira minoria que no sistema não chega para ter governabilidade. Tornam-se presidentes minoritários e isso traz instabilidade e mau governo ou a tentação de se tornarem ditadores concentrando todos os poderes ou mudando-os à vontade -com assembléias constituintes e referendos- para controlá-los, como já aconteceu na Venezuela, Bolívia, Nicarágua , no Equador com Correa e na recente tentativa frustrada de Castillo no Peru.

Com dezenas de partidos e candidatos políticos, com votos baixos e fracionários e sem tradição ou possibilidade de acordos entre o presidente eleito por uma minoria com oposições também fracionadas que controlam o legislativo, o presidencialismo é hoje uma receita certa para a ingovernabilidade, ou seja, a incapacidade de governar. Esse cenário é garantia de conflitos e crises, como o Peru vem comprovando, pois de 2018 até hoje, em 4 anos, já tem 6 presidentes da República e ameaça ter mais porque não tem mecanismos para modificar a realidade.

Na situação atual, Dina Boluarte deveria se considerar uma presidente de transição e liderar um grande acordo nacional para conduzir o Peru a uma reforma que avance o parlamentarismo pleno ou estabeleça condições para que o presidencialismo funcione. Está chegando a hora do parlamentarismo fortalecer a democracia na América Latina.

*Advogado e Cientista Político. Diretor do Instituto Interamericano para a Democracia

Publicado em Infobae.com dezembro 11,2022.



As opiniões aqui publicadas são de inteira responsabilidade de seus autores.