Alain Delon ou a morte da sedução

Beatrice E. Rangel

Por: Beatrice E. Rangel - 20/08/2024


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Após três semanas de alegria e exuberante imersão nos segredos do espírito da França através das Olimpíadas, recebemos a notícia da transição de Alain Delon para a glória divina.

Depois de incorporar o símbolo da atratividade masculina e da vivacidade social nas telas de todo o mundo durante quatro décadas, Delon dedicou seus dias de outono à reflexão silenciosa em sua casa em Douchy. Ele estava convencido de que o fim se aproximava e gostaria de se despedir de seu fiel público com um filme. Mas a força não foi suficiente e a despedida aconteceu no discurso de aceitação da homenagem à história de vida no festival de Cannes 2019. Lá ele expressou seu tradicional desdém pela fama e seu carinho por um público que o amava delirantemente. Ele também se lembrou das mulheres que o amaram, como Mireille Darc e Rommy Schneider.

Com Delon cai mais uma cortina sobre a história do século XX. Porque ele personificou não só a beleza, mas também a vivacidade popular e, sobretudo, a recuperação da França após um episódio humilhante de ocupação nazista aceite pelas suas elites. Essa entidade chamada Alain Delon ocupou as telas do cinema universal para mostrar ao mundo uma França recuperada da destruição da guerra e repleta de propostas estéticas que marcaram todo o século. Assim como Delon estilizou os líderes do submundo, Christian Dior envolveu as mulheres do mundo do eterno feminino e Edith Piaff abriu as comportas de uma canção que refletia as dores e alegrias do homem e da mulher comuns. Cada um deles expressou em seu trabalho uma virtude que já não é abundante: a de saber seduzir. Delon incorporou essa virtude nas telas de todo o mundo, transformando a realidade dos bairros e o comportamento de seus personagens em um hino à sobrevivência por meio da criatividade e da inovação, ambas executadas com savoir faire. Delon personificou então um país que lançou os códigos de sedução no mundo do pós-guerra.

Estes códigos já não fazem sentido na era digital, quando as reuniões presenciais são soterradas pela barragem de mensagens cibernéticas. É uma rotina fria e eficaz na comunicação, mas isolante quando se trata de compartilhar o calor humano. Um mundo de correria e poucas pausas. Um mundo de conflitos medievais supervisionados com armas nucleares. Em suma, um mundo onde a sedução não é possível porque não só leva tempo, mas se expressa em códigos de conduta que apelam à inteligência, à galanteria e aos bons costumes. E é claro que nenhuma destas práticas facilita a eficiência digital. Boa oportunidade para ir para outra dimensão onde talvez a sedução seja possível.


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